sexta-feira, novembro 16, 2007

Câncer

Eu acho que estou doente ou então envenenado. Senão, como explicar essa dor que me rasga a garganta e desce até os pulmões? Eu devia ter procurado um médico. Quando levo os dedos ao peito, um pouco abaixo da garganta, eu consigo sentir que tem algo dentro do meu corpo, um caroço, um nódulo, um pedaço sobressalente. No começo achei que não era nada, mesmo sentindo uma dor aguda quando o tocava.

Mas depois a dor se espalhou. E o caroço aumentou. Eu o arranhava na vã tentativa de arrancá-lo. A cada momento eu podia senti-lo crescendo dentro do meu corpo. E passei a ter mais dificuldade de esconder isso das pessoas. Não é algo que se pode explicar de imediato. Ninguém pode saber disso.

Numa noite eu notei que o caroço se desfez, como quando se espreme uma espinha e agora eu tinha alguma coisa que apontava pra fora e que deveria ter formado o caroço. Parecia um cano. Não tinha mais que um dedo de espessura e parecia ser feito de osso.

A vergonha daquela protuberância queimava na mesma intensidade da dor que sentia ao fazer qualquer tipo de movimento. No trabalho, eu sentava curvado sobre minha mesa porque já não conseguia ficar ereto. A dor me fazia comprimir a barriga e ficar cada vez mais curvado. Eu evitava encarar as pessoas em volta. Não sei como ninguém pode perceber que tinha algo de errado. Eu não conseguia ficar em posição ereta!

E temi por mim, pela minha vida. Fui em busca de ajuda, mas eu mal conseguia andar. O tronco inclinado, a dor que se espalhava pela minha garganta, minha barriga comprimida abraçada pelo meu braço, a vergonha de andar com esse troço saindo pra fora do meu corpo, tudo isso atrapalhava meus pensamentos, até para o simples ato de colocar um pé na frente do outro. Alguém foi me encontrar no hospital. Não sei como ela conseguiu me ouvir. Eu não conseguia nem falar. A dor era imensa. E a raiva...

Na sala de espera, os médicos disseram que seria preciso uma cirurgia. Ninguém soube explicar porque um osso nascera dentro de mim. Era o osso que empurrava minha pele pra cima. E pressionava meu pulmão. Meu pulmão. Senti uma dor muito forte ao ouvir essa palavra. E como se o osso tivesse ouvidos, e bem naquele momento, resolveu furar o pulmão. Eu já não conseguia sentir as pessoas em volta. Tombei no chão, gemendo, tentando gritar. Chorando de dor, de raiva. Não pensei na morte, nem minha vida passou pela cabeça. Eu só pensava em doença. Eu exalava doença e dor.

Quando minha consciência voltou, pude perceber que o osso se quebrara com o impacto no chão. Consegui arrancá-lo pra fora. Por um instante perdi novamente a noção do que estava em volta. Depois respirei como nunca tinha o feito. E um peso saira da minha cabeça. Acho que então eu apaguei e de alguma forma eu fui tratado. Ninguém conseguiu explicar muito bem o que houve. "É um golpe de sorte você não estar a sete palmos". Eu tinha ainda outro osso dentro de mim. Na verdade era um ossso em forma de V e somente uma parte dele tinha se quebrado. Mas segundo disseram a outra parte, além de não ser possível remover, não incomodaria e nem cresceria desenfreadamente.


Quanto ao buraco no pulmão eu ainda posso senti-lo e não sei o que foi feito. Todos os dias eu passo a mão no meu peito pra perceber se noto algo diferente. Embora aliviado pela cura, eu ainda sinto que isso vai me causar problemas um dia. Senão, como explicar essa dor que me rasga a garganta e desce até os pulmões? Eu acho que tenho câncer.